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Tecendo a vida

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

As águas e as letras

Cândido Portinari, LAVADEIRAS, 1943.
Minha Avó era lavadeira; mulher pobre, com 7 filhos e um marido que pegou a estrada... Minha Avó não tinha as letras; desejava-as, sonhava-as, mirava a vivência escolar que nunca tivera. Um dia minha Avó entrou para a escola. Era o projeto MOBRAL-Movimento Brasileiro de Alfabetização. Embora fosse um retrocesso em terras que trabalharam com Paulo Freire e produto da ditadura militar, ainda assim era a vivência escolar tão desejada... Minha Avó era feliz.

Eu, no mesmo ano _1974_ ingressava no Curso Normal. Iria realizar a autocumprida profecia familiar de me tornar professora. Minha Avó se alfabetizava e eu estudava para, mais tarde, alfabetizar... Minha Avó era feliz, eu era feliz.

Todavia, como Mulheres, as letras não nos eram entregues com facilidade.
Mulheres engravidam... A mais estranha das Tias engravidou e precisou trabalhar para sustentar a filha e as demais Mulheres da família decidiram que tudo estava decidido: minha Avó tomaria conta da criança e largaria a tão desejada escola. Os olhos da Avó se transformaram em mar e seu silêncio foi o mais eloquente dos discursos. Silenciado o desejo das letras e dos bancos escolares a Avó continuou cantando e lavando roupas. Ela e eu recebemos a mensagem familiar: estudo é secundário,  escola- só para quem não precisa fazer nada mais sério.
Meu último encontro com minha Avó foi no dia da minha formatura em História, três dias depois ela se tornaria Encantada, deixando em mim a lembrança de uma Grande Mãe e o desejo da Palavra.

Para as Mulheres as letras não são entregues com facilidade. Todavia...
Esta semana fui aprovada para um programa de Doutorado. Celebro a vitória no processo de seleção. Celebro minha Avó pois, no momento em que vi seus olhos se transformando em Mar, assumi o compromisso comigo mesma de nunca abrir mão das Palavras e das Letras.

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